Poemas na ponta da faca

JOSÉ ALMINO DE ALENCAR
Cientista social, poeta e crítico literário
NADA NÃO
Se eu tivesse ficado em casa,
traria nos olhos, fixado em moldura,
o meu quintal,
onde as palavras dormiam
e só o mundo era inquieto.
Viveria ao sopro do afeto
ou de ódios antigos
em meio aos deuses e a uma eterna paciência.
Não haveria mais cedo nem mais tarde
e o futuro não me seria arrebatado.
Encouraçado e cozido dentro da pele
em agulha e fio firme, um nó cego,
um baque n’água.
DE CABEÇA
Traga o esquecimento dentro de si
e o sentido das coisas pode ser adiado.
Para a poesia,
o espanto ganha do encantamento,
o remorso perde para o trauma,
o tempo não voa,
sufoca.
Vai ver, é assim mesmo:
as coisas feias nos oprimem demoradamente
e as coisas belas só nos vêm de surpresa.1
Tenho tudo de cabeça,
de cor e salteado:
A lo mejor, soy otro.2
1 Clarice Lispector
2 Cesar Valejo
O autor é pesquisador da Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB)
almino@rb.gov.br